Talvez o primeiro impulso seja o de comparar Reza a
Lenda como a produção australiana Mad Max, sucesso de público e crítica do ano
passado. Mas não passa de uma associação apressada uma vez que Reza a Lenda
consegue estabelecer identidade própria.
É também uma proposta corajosa no contexto de produção
nacional ao aliar história de ação com certo misticismo sertanejo. A trama
envolve um bando de motoqueiros fora da lei que habita um ambiente ao mesmo
tempo místico e realista de um sertão suspenso no tempo.
Água é produto escasso e não chove há muito. Todos
acreditam na lenda de uma santa de ouro, ícone religioso que, segundo a crença,
trará chuva para o lugar depois que for restituída ao altar original. Atualmente ela está sobre o
domínio do poderoso fazendeiro Tenório (Humberto Martins, numa ótima composição
de vilão sereno, mas cruel).
Ara (Cauã Reymond) é o líder dos motoqueiros que busca
resgatar a santa. Seu braço direito é a durona Severina (Sophie Charlotte,
longe da caracterização de moça delicada). Inesperadamente, surge em cena uma
moça da cidade, Laura (Luisa Arraes), que vai ser obrigada a acompanhar o
bando, sob o olhar desconfiado de Severina.
Cangaço pop
Todos esses personagens compõem o imaginário do sertão
pobre e seco, um dos pontos de partida de Reza a Lenda. Trata-se de um universo
já conhecido e explorado a exaustão no cinema. Porém o diretor e roteirista
Homero Olivetto acrescenta uma pitada de modernismo pop ao misticismo também
arraigado do lugar.
A base da história está em contos que Olivetto escreveu
há algum tempo, mas nunca publicou. Suas inspirações vão desde o movimento
manguebeat aos primeiros filmes de Mad Max (1979 e 1981), mas suas maiores
inspirações estão mais próximas de um contexto familiar.
"Tenho uma relação afetiva com o ambiente do
cançago porque minha família era do interior do Sergipe. Lembro do meu avô me
contando algumas histórias. Por mais que fosse algo muito violento, meu avô
transformava isso em fábulas", contou Olivetto.
Filmado em grande parte na região de Petrolina (PE) e
proximidades, Reza a Lenda sai do regional em busca de uma aproximação maior
com o público. Parte de um apelo que mistura referências pop, até mesmo na
trilha sonora modernizada, com narrativas mais duras e violentas.
Personagens brutos
Os tipos que povoam esse universo entrecruzado de
referências não deixa de remeter ao sertanejo forte, ao cabra macho formado
pelo ambiente de disputas tão acirradas do sertão. Quem mais surpreende nessa
composição é a atriz Sophie Charlotte, em uma caracterização diferente do seus
trabalhos habituais.
"A Severina tem toda aquela força da mulher
nordestina, determinada a seguir o homem dela, mas vai descobrir durante o
filme a fragilidade e o ciúme, coisas bem primitivas", analisa Charlotte.
A atriz conta que fez uma série de pesquisas sobre o
cangaço e o lugar da mulher nesse espaço tão masculino. "Você tem no
imaginário muitas informações, mas quando conhece o lugar, aquela aridez toda,
o encontro é muito forte e você se dá conta de que a personagem representa
muitas mulheres", conta a atriz.
Dentro dessa colcha de retalhos de referências tantas,
Reza a Lenda busca encontrar seu lugar ao sol com narrativa inusitada dentro do
cenário cinematográfico brasileiro. O roteiro desliza um pouco ao tentar fazer
conversar tantos elementos aparentemente díspares, apresentando muitos
personagens e enredos simultâneos.
Mas o resultado é um filme apreensivo que se impõe
enquanto narrativa de gênero, seguro do tipo de proposta popular que busca
atingir. Não tenta ser um mero pastiche ou cópia e isso já vale a aposta.
Fonte: A Tarde
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