A partir de hoje (7), estará
disponível para os internautas o site Escritoras Negras, com um mapeamento
detalhado da presença delas na Bahia. O produto é resultado de um levantamento
feito pela jornalista e doutoranda em literatura pela Universidade de Brasília
(UnB), Calila das Mercês. O espaço digital reunirá o trabalho de escritoras que
assim se identificam, em diversos segmentos literários, como poemas, contos,
artigos e romances.
“Eu acho que é muito limitador a gente eliminar uma pessoa [da
definição de escritora] por não ter um livro publicado, acho que devemos
agregá-la e entender por que não foi publicado. A partir daí, há uma série de
questões da cadeia produtiva do livro, vários nãos que se escuta, as questões
sistêmicas e estruturais, como racismo, machismo e misoginia, que andam de mãos
dadas. Seria esquisito, como pesquisadora, se eu não tivesse esse olhar
humanístico da percepção delas”, explica Calila sobre os critérios definidos
para o mapeamento.
O lançamento oficial do portal será hoje à noite, com uma
palestra no campus da
Universidade do Estado da Bahia, em Teixeira de Freitas. A idealizadora do
projeto, Calila das Mercês, vai falar aos estudantes sobre Literatura de
autoria negra: resistência e pluralidade da memória”. O ciclo de bate-papos
(Enegras) é mais um desdobramento do projeto Escritoras Negras. O Enegras será
realizado no sul da Bahia, de hoje (7) até o próximo dia 20, e mobilizará cerca
de 180 mulheres de comunidades afro-indígenas, nas cidades de Alcobaça,
Caravelas e Prado (Cumuruxatiba). Entre os temas estão literatura, cinema,
tecnologia, empoderamento e resistência.
Mercado literário
Em entrevista à Agência
Brasil, Calila das Mercês disse que o mapeamento não tem
ligação direta com a pesquisa que faz para a produção da tese de doutorado, que
defenderá na UnB. O levantamento é uma segunda etapa de outro projeto –
Escritoras da Bahia -, realizado de forma independente em 2012, quando
identificou mais de 50 escritoras na Bahia. O recorte de gênero, segundo
Calila, gerou a necessidade de levantar quantas são negras e como é a realidade
do mercado literário para essas mulheres.
Calila confessa ter se “assustado” com a experiência das
escritoras negras baianas, mesmo que a realidade excludente não fosse surpresa
para ela. Segundo o mapeamento realizado este ano, nenhuma das escritoras
negras teve uma obra publicada por uma grande editora do estado ou do país. “Eu
fiquei abismada com a quantidade de mulheres negras que não conseguem publicar
e quando publicam é em livros de antologias – não são livros próprios -. Então,
elas precisam pagar para publicar, quando acontece, e têm dificuldade de
divulgar o trabalho. É uma realidade muito dura para as mulheres negras”,
acrescenta.
Portal dinâmico
A pesquisadora explica que o portal Escritoras Negras será
dinâmico e não “parado no tempo”. Ela conta que todas as escritoras citadas no
portal terão livre acesso para alterar e acrescentar informações sobre elas,
além de alimentar o espaço com produções e textos literários próprios, notícias
e espaço para novas cadastradas. Até o momento, Calila das Mercês entrou em
contato com 30 escritoras negras e cerca de 20 delas enviaram dados, fotos,
contatos e textos para serem disponibilizados no portal. As demais ainda não
enviaram ou não responderam.
Outra ideia do portal é que as escritoras negras identifiquem e
recomendem outras escritoras para serem acrescentadas ao projeto, que tem como
terceiro produto um livro digital (e-book).
Nele, serão publicados textos selecionados pela própria idealizadora, de
temática “ligada à negritude”, em âmbito nacional. A ideia é selecionar os
textos “acadêmico-culturais” pelo conteúdo, e não pela perspectiva de quem
escreveu, seja homem ou mulher. Além disso, o e-book conterá dados e perfis das
escritoras negras mapeadas e será publicado em português e inglês.
Calila disse que espera que o projeto seja uma forma de melhorar
a representatividade das mulheres negras, sobretudo na Bahia, e incentivar
outras meninas e mulheres a seguir o exemplo das escritoras. Ela conta que não
teve referências de negritude durante a vida - apesar de ser negra e de família
negra -, mas pretende abrir espaço para as mulheres que querem participar ou
apenas contemplar a arte da escrita.
“Eu, negra e pesquisadora, acredito que estamos em um momento
tenso no país, mas para a gente nunca foi fácil, em termos de
representatividade e de vivências. A ideia é que a gente registre essas coisas.
Eu queria que as meninas negras e de periferia tivessem esse entendimento de
compreender que não vamos esquecer as histórias delas. O projeto é de termos um
lugar para registrar as nossas escrevivências, como diz Conceição Evaristo, no
nosso modo de olhar o mundo”.
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