O centenário de morte de Ruy Barbosa, celebrado no dia 1º de março deste ano, se sobrepõe a outro fato significativo: o ilustre baiano ainda estava vivo, em 1922, quando a Vila do Orobó foi emancipada e a cidade passou a ter o nome do jurista baiano.
O município também possui a natureza exuberante da Chapada Diamantina que fascina visitantes, como Andaraí, Mucugê e Lençóis, mas desde 2012 é como se tivesse algo mais. Foi quando Leonardo Santos, 39, nascido lá, comprou uma propriedade na zona rural, o Rancho Recanto da Chapada, no sopé da Serra do Orobó (cordilheira com cerca de 20 km de extensão), e logo materializou o projeto do Museu de Artes e Ofícios do Orobó.
Localizado a 22 km do centro da cidade e a 3,5 km do distrito histórico de Morro das Flores – referência comunitária original – o projeto se fundamenta na filosofia dos museus orgânicos. “Somos um espaço de vivência e uso cotidianos, onde estão reunidos elementos do patrimônio histórico, tanto material como imaterial”, diz Leonardo, que atua na área jurídica mas tem coração de historiador.
Em 2019 ele publicou o livro Vivências no Orobó: memórias poéticas, em que, a partir da história da Vila do Orobó, antigo entreposto comercial da região, analisa o processo de formação dos núcleos de povoamentos urbanos da Chapada Diamantina. Ele refere-se a Morro das Flores como o berço da cultura da Vila do Orobó, já que seu povoamento é anterior, mas ambas localidades surgem no fim do século 19 com a cultura dos tropeiros.
“A caminho das Lavras Diamantinas, esses viajantes e comerciantes faziam do Orobó Grande dos Viajantes (como também já foi chamado) um local de descanso e comercialização de utensílios e serviços, surgindo o embrião de uma feira livre, dando origem os primeiros arruados, tomando caraterísticas de povoamento”, diz Leonardo.
Pertencimento
Esse imaginário é tão plasmado ao povo que, a despeito da formação administrativa, Leonardo afirma que o sentimento de pertencimento da comunidade é intimamente relacionado à vivência cotidiana com o arcabouço histórico e cultural que formou a comunidade da Vila do Orobó. E o Museu de Artes e Ofícios do Orobó, seguramente, preserva a memória desse processo.
“O que o Orobó tem hoje de mais importante a oferecer para o visitante é esse conjunto de bens e serviços culturais. A cultura do Orobó é nosso maior patrimônio. A história é lindíssima e intimamente relacionada à história dos demais destinos turísticos da Chapada Diamantina. Você não consegue entender a história das Lavras Diamantinas, da Sociedade do Diamante, sem entender o processo histórico de formação da Vila do Orobó”, diz o escritor e poeta.
Com 500 peças em exposição (de um acervo com mais de mil), o museu abriga, por exemplo, o primeiro sino da primeira igreja da Vila do Orobó, que ficava em Morro das Flores. Entre outros itens, há mobiliário que remete ao período imperial, uma espada de 1889 (ano da proclamação da República), uma coleção de cutelaria nordestina, objetos de trabalho, de decoração e obras de arte. Curador do espaço, Leonardo não resiste à analogia: “O garimpo desse acervo é como encontrar pedras preciosas”.
Não é de hoje que ele faz isso. Ainda criança, “nas vivências locais, no trato e na lida com a população rural”, sentiu despertar o sentimento de pertencimento à comunidade, assim como o amor à história e à cultura. Foi quando encontrar peças virou um hobby e passou a colecionar antiguidades que contam a história do povo de lá.
O nome Orobó, diz Leonardo, é atribuído aos povos originários, como uma corruptela de “ouro bom”, mas ele aponta versões que atribuem o termo à matriz africana, já que por lá também existiu o Quilombo do Orobó.
Dinâmica cotidiana
O museu orgânico também promove turismo de base comunitária (TBC), em que é possível vivenciar a dinâmica cotidiana em Morro das Flores, praticar esportes de aventura na cordilheira da Serra do Orobó, acampar no rancho, fazer trilhas e praticar birdwatching (observação de pássaros na natureza). A cidade tem a quarta maior biodiversidade de avifauna de toda a mesorregião da Chapada, com 25.6% de toda a biodiversidade de aves da Bahia.
“Além desse projeto cultural e histórico, também somos uma Asas, Área de Soltura de Animais Silvestres”, diz Leonardo, acrescentando que a filosofia do museu é conservacionista, pois além da memória, ancestralidade e história, promove a conservação dos biomas. O projeto também recebe a visita de escolas da região, tanto para conhecer o acervo como para sensibilizar crianças e jovens com temas de educação ambiental.
Graduando em Letras e escritor, Roberto Andrade, 22, já se valeu do livro Vivências no Orobó: memórias poéticas, para elaborar um pré-projeto na Universidade Estadual da Bahia (Uneb). Ele considera que Leonardo consegue resgatar as memórias do Orobó com informações preciosas: “É um livro excelente que deveria entrar no sistema pedagógico do município. É de suma importância as escolas trabalharem em sala de aula e que a minha geração e as mais novas saibam como tudo começou. Morro das Flores, por exemplo, é um lugar querido, mas deveria ser mais preservado”.
Em 2022, o Museu de Artes e Oficios do Orobó (no Instagram, @ranchorecantodachapada) foi o terceiro colocado no Prêmio Servidor Cidadão, concedido pela Secretaria de Administração da Bahia (Saeb) para servidores públicos que desenvolvem projetos socioculturais.
E para que ninguém se equivoque e tome outro caminho, o escritor e ambientalista Leonardo Santos avisa que há outra cidade no Brasil que leva o nome de Ruy Barbosa, no Rio Grande do Norte, mas como bom filho do Orobó, enfatiza: “Nós homenageamos esse grande baiano ainda em vida. Fomos emancipados em 28 de agosto de 1922. A outra cidade só levou o nome de Ruy Barbosa em 1962, ou seja, 40 anos depois”.
Fonte: A Tarde
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